quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma História com Tempero

Há diversas histórias, aliás, todo mundo tem uma história para contar. Eu também tenho a minha. Ela é diferente, única, quase um segredo. Penso que seja a primeira história temperada, tem aroma de azeite e ervas finas. Por ser especial, eu a mantenho numa panela bem tampada e cada vez que sinto vontade de revivê-la, levanto a tampa devagarzinho, dou um suspiro profundo, fecho os olhos e revivo na alma a última ceia de natal.
Minha mãe! O sorriso do tamanho da vida levando à mesa a panela fumegante, transbordando de sabor.
- Veja que maravilha de panela, tudo fica perfeito, não gruda nada, excelente para se fazer um bom fricassê!
Fricassê? Nome pomposo para se dizer purê de batata apurado no creme de leite.
Pouquíssimas vezes ouvi minha mãe mentir. Para ser sincero nunca a vi mentir, porque mãe não mente, ainda que seja tão humana como qualquer um de nós e também morra! Acho que esta foi a primeira vez que a vi mentir. Não é verdade que esta panela não gruda nada! Nela ficou grudado, o seu sorriso, as suas mãos, sua voz, e não há nada que possa limpar dela estas memórias!
Que mentira gostosa meu Deus!
Veja, não é uma história alegre e nem triste. É apenas uma saudade e como só as pessoas especiais deixam saudades, quero que ela seja um banquete de lembranças agradáveis, uma sinfonia de vozes, de gestos expansivos, de risos. Quero que ela seja uma ceia de Natal. Uma mesa imensa e no centro dela, misturada a outros pratos e travessas, a panela de fricassê! Filhos, genros, noras, dezenas de netos e uma mãe contando outras histórias tão saudosas quanto esta que eu conto agora.
Esta panela certamente serviu outros sabores desenhados pelas mãos mágicas de minha mãe. Mas só um ficou impregnado para sempre em suas bordas internas e nos corações de quem o saboreou.
Alguns meses depois daquela ceia de Natal, recebi a notícia de que minha mãe tinha adoecido, entrou em um profundo processo de depressão. Ela se fechou em si mesma. Não tive mais oportunidade de experimentar o seu tempero. Para não perdê-lo para sempre, em forma de lembranças, fechei-o na panela de fricassê.
Quando a minha mãe foi embora, eu e meus irmãos nos reunimos em torno daquela mesma mesa e, como um trato de união eterna, cada um de nós escolheu um objeto que mais a lembrasse. Assim foi quando meu pai partiu, assim ela desejava. Alguém escolheu um quadro, esqueci de dizer que minha mãe gostava de pintar, outro um par de brincos, uma toalha de mesa, um rádio, fotografia, um anel ... Eu? Olhei para cima do armário. Lá estava ela, a panela de fricassê exatamente como minha mãe a deixara.
Naquele momento, vi muito mais do que a panela! Vi seu sorriso, ouvi sua voz, senti o aroma do seu tempero, um burburinho de festa, de festa de Natal! Peguei–a, ela é minha. Não sei porque, mas uma imensa alegria invadiu-me, ri, ri muito. Pensaram que eu enlouquecera. É minha, minha! Ela e todas as lembranças que ela me traz.
Trago-a sempre tampada sobre a mesa de jantar.
MARCO ANTONIO REIS

Até Quando? Gabriel O Pensador

Até Quando?
Gabriel O Pensador
Composição : Gabriel o Pensador; Itaal Shur; Tiago Mocotó
Não adianta olhar pro céu
Com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer
E muita greve, você pode, você deve, pode crer
Não adianta olhar pro chão
Virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus
Sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer!
Até quando você vai ficar usando rédea?!
Rindo da própria tragédia
Até quando você vai ficar usando rédea?!
Pobre, rico ou classe média
Até quando você vai levar cascudo mudo?
Muda, muda essa postura
Até quando você vai ficando mudo?
muda que o medo é um modo de fazer censura
Até quando você vai levando? (Porrada! Porrada!!)
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando? (Porrada! Porrada!!)
Até quando vai ser saco de pancada?
Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente
O seu filho sem escola, seu velho tá sem dente
Cê tenta ser contente e não vê que é revoltante
Você tá sem emprego e a sua filha tá gestante
Você se faz de surdo, não vê que é absurdo
Você que é inocente foi preso em flagrante!
É tudo flagrante! É tudo flagrante!!
A polícia
Matou o estudante
Falou que era bandido
Chamou de traficante!
A justiça
Prendeu o pé-rapado
Soltou o deputado
E absolveu os PMs de Vigário!
A polícia só existe pra manter você na lei
Lei do silêncio, lei do mais fraco
Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco
A programação existe pra manter você na frente
Na frente da TV, que é pra te entreter
Que é pra você não ver que o programado é você!
Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar
O cara me pede o diploma, não tenho diploma, não pude estudar
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado, que eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá
Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego, mas onde que eu chego se eu fico no mesmo lugar?
Brinquedo que o filho me pede, não tenho dinheiro pra dar!
Escola! Esmola!
Favela, cadeia!
Sem terra, enterra!
Sem renda, se renda! Não! Não!!
Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente!
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro!
Até quando você vai ficar levando porrada,
até quando vai ficar sem fazer nada
BLOCO 8
Texto 23: "Práticas de escrita – orientações didáticas"
Fonte:
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - Volume 3 / Conhecimento do Mundo. Brasília: MEC/ SEF, 1998 (pp. 145 a 150).
Texto 24: "Produção Oral com destino escrito"
Fonte:
Referencial de Formação de Professores. São Paulo: CEDAC / Centro de Educação para a Ação Comunitária, 2002. (pp. 57 e 58).
É muito comum hoje, na prática pedagógica, pensar no professor como escriba dos alunos. Há professores, no entanto, que ainda têm dúvidas se estes textos são mesmo dos alunos. Mas se pensarmos na situação de um executivo ditando uma carta para sua secretária ou de Borges, escritor argentino, ditando um romance para seu amigo depois que ficou cego, ninguém terá dúvida quem é o autor da carta ou do romance.
Claro que o papel do professor, aqui é fundamental, pois ao escrever na lousa estará explicitando aos alunos os comportamentos próprios de quem escreve e estará problematizando a produção ajudando-os a observarem o que ainda não é observável.
Os textos deste bloco buscam explicitar as condições, as intervenções e o significado desta situação didática para a aprendizagem dos alunos.
163 164 Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 23
PRÁTICAS DE ESCRITA
Conteúdos
: Participação em situações cotidianas nas quais se faz necessário o uso da escrita.
Orientações Didáticas
Na instituição de educação infantil, as crianças podem aprender a escrever produzindo oralmente textos com destino escrito. Nessas situações o professor é o escriba. A criança também aprende a escrever, fazendo-o da forma como sabe, escrevendo de próprio punho. Em ambos os casos, é necessário ter acesso à diversidade de textos escritos, testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias, considerando as condições nas quais é produzida: para que, para quem, onde e como.
O trabalho com produção de textos deve se constituir em uma prática continuada, na qual se reproduz contexto cotidiano em que escrever tem sentido. Deve-se buscar a maior similaridade possível com as práticas de uso social, como escrever para não esquecer alguma informação, escrever para enviar uma mensagem a um destinatário ausente, escrever para que a mensagem atinja um grande número de pessoas, escrever para identificar um objeto ou uma produção etc.
O tratamento que se dá à escrita na instituição de educação infantil pode ter como base a oralidade para ensinar a linguagem que se usa para escrever. Ditar um texto para o professor, para outra criança ou para ser gravado em fita cassete é uma forma de viabilizar a produção de textos antes de as crianças saberem grafá-los. É em atividades desse tipo que elas começam a participar de um processo de produção de texto escrito, construindo conhecimento sobre Essa linguagem, antes mesmo que saibam escrever autonomamente. Ao participar em atividades conjuntas de escrita a criança aprende a:
Fonte:
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - Volume 3 / Conhecimento do Mundo. Brasília: MEC/ SEF, 1998 P
O professor pode chamar a atenção sobre a estrutura do texto, negociar significados e propor a substituição do uso excessivo de "e", "aí", "daí" por conectivos mais adequados à linguagem escrita e de expressões que marcam temporalidade, causalidade etc., como "de repente", "um dia", "muitos anos depois" etc. A reelaboração dos textos produzidos, realizada coletivamente com o apoio do professor, faz com que a criança aprenda a conceber a escrita como processo, começando a coordenar os papéis de produtor e leitor a partir da intervenção do professor ou da parceria com outra criança durante o processo de produção. As crianças e o professor podem tentar melhorar o texto, acrescentando, retirando, deslocando ou transformando alguns trechos com o objetivo de torná-lo mais legível para o leitor, mais claro ou agradável de ler.
No caso das crianças maiores, o ditado entre pares favorece muito a aprendizagem, pois elas se ajudam mutuamente. Quando uma criança dita e outra escreve, aquela que dita atua como revisora para a que escreve, por meio de diversas ações, como ler o que já foi escrito para não correr o risco de escrever duas vezes a mesma palavra, diferenciar o que "já está escrito" do que "ainda não está escrito" quando a outra se perde, observar a conexão entre os enunciados, ajudar a pensar em quais letras colocar e pesquisar, em caso de dúvida, buscando palavras ou parte de palavras conhecidas em outro contexto etc.
Saber escrever o próprio nome é um valioso conhecimento que fornece às crianças um repertório básico de letras que lhes servirá de fonte de informação para produzir outras escritas. A instituição de educação infantil deve preocupar-se em marcar os pertences, os objetos pessoais e as produções das crianças com seus nomes. É importante realizar um trabalho intencional que leve ao reconhecimento e reprodução do próprio nome para que elas se apropriem progressivamente da sua escrita convencional. A coleção dos nomes das crianças de um mesmo grupo, registrados em pequenas tiras de papel, pode estar afixada em lugar visível da sala. Os nomes podem estar escritos em letra maiúscula, tipo de imprensa (conhecida também como letra de fôrma), pois, para a criança, inicialmente, é mais fácil imitar esse tipo de letra. Trata-se de
Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 165Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 23
• repetir palavras ou expressões literais do texto original;
• controlar o ritmo do que está sendo ditado, quando a fala se ajusta ao tempo da escrita;
• diferenciar as atividades de contar uma história, por exemplo, da atividade de ditá-la para o professor, percebendo, portanto, que não se diz as mesmas coisas nem da mesma forma quando se fala e quando se escreve;
• retomar o texto escrito pelo professor, a fim de saber o que já está escrito e o que ainda falta escrever;
• considerar o destinatário ausente e a necessidade da clareza do texto para que ele possa compreender a mensagem;
• diferenciar entre o que o texto diz e a intenção que se teve antes de escrever;
• realizar várias versões do texto sobre o qual se trabalha, produzindo alterações que podem afetar tanto o conteúdo como a forma em que foi escrito.
P Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 166Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 23
uma letra mais simples do ponto de vista gráfico que possibilita perceber cada caractere, não deixando dúvidas sobre onde começa e onde termina cada letra.
As atividades de reescrita de textos diversos devem se constituir em situações favoráveis à apropriação das características da linguagem escrita, dos gêneros, convenções e formas. Essas situações são planejadas com o objetivo de eliminar algumas dificuldades inerentes à produção de textos, pois consistem em recriar algo a partir do que já existe. Essas situações são aquelas nas quais as crianças reescrevem um texto que já está escrito por alguém e que não é reprodução literal, mas uma versão própria de um texto já existente. Podem reescrever textos já escritos e para tal precisam retirar ou acrescentar elementos com relação ao texto original. Pode-se propor às crianças que reescrevam notícias da atualidade que saíram no jornal que lhes interessou, ou uma lenda, uma história etc.
Nas atividades de escrita, parte-se do pressuposto que as crianças se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio em situações de uso, quando têm problemas a resolver e precisam colocar em jogo tudo o que sabem para fazer o melhor que podem.
As crianças que não sabem escrever de forma convencional, ao receberem um convite para fazê-lo, estão diante de uma verdadeira situação-problema, na qual se pode observar o desenvolvimento do seu processo de aprendizagem. Tal prática deve favorecer a construção de escritas de acordo com as idéias construídas pelas crianças e promover a busca de informações específicas de que necessitem, tanto nos textos disponíveis como recorrendo a informantes (outras crianças e o professor). O fato de as escritas não-convencionais serem aceitas não significa ausência de intervenção pedagógica. O conhecimento sobre a natureza e o funcionamento do sistema de escrita precisa ser construído pelas crianças com a ajuda do professor. Para que isso aconteça é preciso que ele considere as idéias das crianças ao planejar e orientar as atividades didáticas com o objetivo de desencadear e apoiar as suas ações, estabelecendo um diálogo com elas e fazendo-as avançar nos seus conhecimentos. As crianças podem saber de cor os textos que serão escritos, como, por exemplo, uma parlenda, uma poesia ou uma letra de música. Nessas atividades, as crianças precisam pensar sobre quantas e quais letras colocar para escrever o texto, usar o conhecimento disponível sobre o sistema de escrita, buscar material escrito que possa ajudar a decidir como grafar etc.
As crianças de um grupo encontram-se, em geral, em momentos diferentes no processo de construção da escrita. Essa diversidade pode resultar em ganhos no desenvolvimento do trabalho. Daí a importância de uma prática educativa que aceita e valoriza as diferenças individuais e fomenta a troca de experiências e conhecimentos entre as crianças. As atividades de escrita e de produção de textos são muito mais interessantes, portanto, quando se realizam num contexto de interação. No processo de aprendizagem, o que num dado momento uma criança consegue realizar apenas com ajuda, posteriormente poderá ser feito com relativa autonomia.
A criação de um clima favorável para o trabalho em grupo possibilita ricos intercâmbios comunicativos de enorme valor social e educativo. Para que a interação grupal cumpra seu papel, é preciso que as crianças aprendam a trabalhar juntas. Para que desenvolvam essa capacidade, é necessário um
P Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 167Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 23
trabalho intencional e sistemático do professor para organizar as situações de interação considerando a heterogeneidade dos conhecimentos das crianças. Além disso, é importante que o professor escolha as crianças que possam se informar mutuamente, favoreça os intercâmbios, pontue as dificuldades de entendimento, ajude a percepção de detalhes do texto etc. Deixando de ser o único informante, o professor pode organizar grupos, ou duplas de crianças que possuam hipóteses diferentes (porém próximas) sobre a língua escrita, o que favorece intercâmbios mais fecundos. As crianças podem utilizar a lousa ou letras móveis1 e, ao confrontar suas produções, podem comparar suas escritas, consultarem-se, corrigirem-se, socializarem idéias e informações etc.
Para favorecer as práticas de escrita, algumas condições são consideradas essenciais. São elas:
• reconhecer a capacidade das crianças para escrever e dar legitimidade e significação às escritas iniciais, uma vez que estas possuem intenção comunicativa;
• propor atividades de escrita que façam sentido para as crianças, isto é, que elas saibam para que e para quem estão escrevendo, revestindo a escrita de seu caráter social;
• propor atividades que permitam diversidade de estratégias nas formas de resolução encontradas pelas crianças;
• ajudar as crianças a desenvolverem a habilidade de retornar ao texto escrito — reler o que está ou foi escrito — para reelaborá-lo, ampliá-lo, ou melhor, compreendê-lo.
1
As letras móveis adquirem uma importante função em situações de interação, pois permitem fazer e desfazer as escritas a partir da discussão entre as crianças, comparar, pensar em como deixar a escrita final, copiar nos casos em que é preciso ter registro etc. P Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 168Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 24
PRODUÇÃO ORAL COM DESTINO ESCRITO
Condições Didáticas consideradas ao planejar:
Considerar o contexto comunicativo (para quê escrever, para quem escrever, o que escrever e como escrever) no planejamento e realização de produção coletiva de textos.
Intervenções do professor:
Explicitar os propósitos de escrita dos textos, bem como definir de antemão quem serão os destinatários.
Fonte:
Referencial de Formação de Professores. São Paulo: CEDAC / Centro de Educação para a Ação Comunitária, 2002. P
 
Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 169 Por que o professor deve escrever para o aluno? Bloco 8 Z Texto 24
• Favorecer a distinção entre o que deve e o que não deve ser escrito principalmente quando a maioria dos membros do grupo está se apropriando do sistema alfabético (para que identifiquem o que faz parte do texto ditado e as expressões conversacionais que o acompanham).
 
Favorecer a verbalização dos diversos tipos de problemas que em uma situação de produção individual não podem ser explicitados, para que os alunos possam confrontar formas distintas de resolução para uma mesma questão.
Interação Aluno / Situação Didática
Nas situações de produção oral com destino escrito os alunos podem:
Enfrentar e resolver múltiplos problemas relativos aos processos envolvidos na produção de texto, na medida em que participam de atos de escrita e atuam como "escritores". P Guia de estudo para o horário de trabalho coletivo P 170
• Enfrentar problemas vinculados às características dos textos que estão produzindo e utilizar fórmulas e léxico próprios.
• Discutir com outros, construir coletivamente soluções, observar aspectos do texto que não conseguiriam observar sozinhos.
• Incorporar-se ao que consiste um "ato de escrita" para "escritores" experientes.
• Distanciar-se do texto que está sendo produzido, quando posicionam-se como revisores.
• Enfrentar problemas da escrita, quando produzem pela primeira vez um gênero já conhecido, diferentes dos que se colocam na perspectiva do leitor.
• Elaborar novos conhecimentos e explicitar outros já utilizados em situação de leitura, na medida em que seja necessário tomar consciência dos mesmos para a resolução de problemas específicos, relacionados ao tipo de texto que se pretende produzir.
• Favorecer a análise e reflexão sobre as características do texto pelos alunos.
• Registrar textualmente as propostas dos alunos para que seja possível analisá-las, elegendo a melhor forma ou elaborando coletivamente outras.
• Estabelecer um diálogo com os alunos durante a produção (incentivando-os a planejar o que será escrito, propondo que pensem em diferentes alternativas para o começo do texto, convidando-os a eleger aquela que o grupo considera mais adequada, sugerindo que busquem diversas possibilidades de expressar cada idéia, negociando a passagem do "oral" para o "escrito", pedindo que leiam e releiam o que já foi escrito para assegurar a coerência com o que está por escrever ou para revisá-lo desde a perspectiva dos leitores, propondo modificações no planejamento inicial em função de problemas que surgem durante a produção, retomando passagens de textos já lidos pela classe).
 
• Realizar situações de leitura de diferentes textos de um mesmo gênero para a ampliação do repertório lingüístico dos alunos e apropriação de suas características próprias a partir da familiaridade com eles.
• Utilizar estratégias de planejamento e revisão nas situações de produção coletiva.
• Favorecer a participação de todos da classe durante a produção (formas de agrupar os alunos e propostas referentes à escrita de cada parte do texto).
• Favorecer a aprendizagem de conteúdos relacionados ao que consiste um "ato de escrita" para "escritores" experientes.
• Realizar atividades de revisão de textos na presença e com a participação dos alunos que priorizem análise e reflexão sobre a língua e não apenas a "correção".
• Escrita do próprio nome em situações em que isso é necessário.
• Produção de textos individuais e/ou coletivos ditados oralmente ao professor para diversos fins.
• Prática de escrita de próprio punho, utilizando o conhecimento de que dispõe, no momento, sobre o sistema de escrita em língua materna.
• Respeito pela produção própria e alheia.
 

Por que o PROFESSOR
DEVE ESCREVER pelos alunos?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Desabafo na rede.

Ministro da Educação quer ampliar de 200 para 220 os dias letivos (4 semanas a mais) na Educação Básica. Sr. Ministro da Educação, nós, professores, convidamos-lhe a passar apenas uma semana na sala de aula da Educação Básica, tanto na escola pública, quanto na escola particular, fazendo as ações inerentes a esta profissão (planejamento; correções; acompanhamentos; relatórios; atendimento aos pais; mediação em sala; etc...) para que sinta o quanto o trabalho do professor é INTENSO. Na época em que o Ministro foi aluno as férias eram de 3 meses, havia menos alunos por turma, os professores eram respeitados, as famílias mais estruturadas e com mais tempo para os filhos. Hoje o contexto e a demanda são outras, o que justifica uma carga horária mais HUMANA. Sugiro que o Ministro pense em AÇÕES PÚBLICAS que favoreçam verdadeiramente as crianças (lazer, saúde, alimentação, trabalho e moradia digna para os pais, etc...) porque não se aprende e se torna cidadão apenas pela ação da ESCOLA E DO PROFESSOR. Será trabalhoso demais SR. MINISTRO? Sugiro, ainda, que o MINISTRO pense em como oferecer boas condições de trabalho e remuneração aos professores que estão a cada dia mais sobrecarregados e com péssima qualidade de vida. Ou a intenção é ACABAR com esta profissão? Se VOCÊ prefere uma ESCOLA DE QUALIDADE diga NÃO ao MINISTRO. Mas, se você acha que ESCOLA é DEPÓSITO de crianças diga SIM ao MINISTRO.

Site do MEC

Textos para formação, informativos do governo sobre Prova e Provinha Brasil, Ideb entre outras...Vale a pena acessar!!  http://portal.mec.gov.br/

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Palavras, Adriana Falcão

As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição. Os poetas classificam as palavras pela alma, porque gostam de brincar com elas, e pra brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro. É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, que se coloca entre o significante e o significado pra dizer o que quer, pra dar sentimento às coisas, pra fazer sentido. Nada é mais amarelo do que o amarelo-palavra. Nada é mais concreto do que as letras c, o, n, c, r, e, t, o, dispostas nessa ordem e ditas essa forma assim, concreto, e já se disse tudo, pois as palavras agem, sentem e falam por elas próprias. A palavra nuvem chove. A palavra triste chora. A palavra sono dorme. A palavra tempo passa. A palavra fogo queima. A palavra faca corta. A palavra carro corre. A palavra palavra diz. O que quer. E nunca desdiz depois.
As palavras têm corpo e alma mas são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito, e pronto. As palavras são sinceras, as segundas intenções são sempre das pessoas. A palavra juro não mente. A palavra mando não rouba. A palavra cor não destoa. A palavra sou não vira a casaca. A palavra idéia não muda. Palavras nunca mudam de idéia.
Palavras sempre sabem o que querem. Quero não será desisto. Sim nunca jamais será não. Árvore não será madeira. Lagarta não será borboleta. Felicidade não será traição. Tesão nunca será amizade. Sexta-feira não vira sábado nem depois da meia noite. Noite nunca vai ser manhã. Um não será dois em tempo algum. Dois não será solidão. Dor não será constantemente. Semente nunca será flor. As palavras também têm raízes, mas não se parecem com plantas, a não ser algumas delas, verde, caule, folha, gota.
As células das palavras são as letras. Algumas são mais importantes do que outras. As consoantes são um tanto insolentes. Roubam as vogais pra construírem sílabas e obrigam a língua a dançar dentro da boca. A boca abre e fecha quando a vogal manda. As palavras fechadas nem sempre são mais tímidas. A palavra sem-vergonha está aí de prova. Prova é uma palavra difícil. Porta é uma palavra que fecha. Janela é uma palavra que abre. Entreaberto é uma palavra que vaza. Vigésimo é uma palavra bem alta. Carinho é uma palavra que falta. Miséria é uma palavra que sobra. A palavra óculos é séria. Cambalhota é uma palavra engraçada. A palavra lágrima é triste. A palavra catástrofe é trágica. A palavra súbito é rápida. Demoradamente é uma palavra lenta. Espelho é uma palavra prata. Ótimo é uma palavra ótima. Queijo é uma palavra rato. Rato é uma palavra rua.
Existem palavras frias como mármore. Existem palavras quentes como sangue. Existem palavras mangue, caranguejo. Existem palavras lusas, Alentejo. Existem palavras itálicas, ciao. Existem palavras grandes, anticonstitucional. Existem palavras pequenas, microscópio, minúsculo, molécula, partícula, quinhão, grão, covardia. Existem palavras dia, feijoada, praia, boné, guarda-sol. Existem palavras complicadas, enigma, trigonometria, adolescente, casal. Existem palavras mágicas, shazam, abracadabra, pirlimpimpim, sim e não. Existem palavras que dispensam imagens, nunca, vazio, nada, escuridão. Existem palavras sozinhas, eu, um, apenas, sertão. Existem palavras plurais, mais, muito, coletivo, milhão. Existem palavras que são palavrão. Existem palavras pesadas, chumbo, elefante, tonelada. Existem palavras doces, goiabada, marshmallow, quindim, bombom. Existem palavras que andam, automóvel.  Existem palavras imóveis, montanha. Existem palavras cariocas, Corcovado. Existem palavras completas, elas todas.
Toda palavra tem a cara do seu significado. A palavra pela palavra tirando seu significado fica estranha. Palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra não diz nada, é só letra e som.





As Cocadas, Cora Coralina

Eu devia ter nesse tempo dez anos. Era menina prestimosa e trabalhadeira à moda do tempo.
Tinha ajudado a fazer aquela cocada. Tinha areado o tacho de cobre e ralado o coco. Acompanhei rente à fornalha todo o serviço, desde a escumação da calda até a apuração do ponto. Vi quando foi batida e estendida na tábua, vi quando cortada em losangos. Saiu uma cocada morena, de ponto brando atravessada de paus de canela cheirosa. O coco era gordo, carnudo e leitoso, o doce ficou excelente. Minha prima me deu duas cocadas e guardou tudo mais numa terrina grande, funda e de tampa pesada. Botou no alto da prateleira.
Duas cocadas só ... Eu esperava quatro e comeria de uma assentada oito, dez, mesmo. Dias seguidos namorei aquela terrina, inacessível. De noite, sonhava com as cocadas. De dia as cocadas dançavam pequenas piruetas na minha frente. Sempre eu estava por ali perto, ajudando nas quitandas, esperando, aguando e de olho na terrina.
Batia os ovos, segurava gamela, untava as formas, arrumava nas assadeiras, entregava na boca do forno e socava cascas no pesado almofariz de bronze.
Estávamos nessa lida e minha prima precisou de uma vasilha para bater um pão-de-ló. Tudo ocupado. Entrou na copa e desceu a terrina, botou em cima da mesa, deslembrada do seu conteúdo. Levantou a tampa e só fez: Hiiii ... Apanhou um papel pardo sujo, estendeu no chão, no canto da varanda e despejou de uma vez a terrina.
As cocadas moreninhas, de ponto brando, atravessadas aqui e ali de paus de canela e feitas de coco leitoso e carnudo guardadas ainda mornas e esquecidas, tinham se recoberto de uma penugem cinzenta, macia e aveludada de bolor.
Aí minha prima chamou o cachorro: Trovador ... Trovador ... e veio o Trovador, um perdigueiro de meu tio, lerdo, preguiçoso, nutrido e abanando a cauda. Farejou os doces em interesse e passou a lamber, assim de lado, com o maior pouco caso.
Eu olhando com uma vontade louca de avançar nas cocadas.
Até hoje, quando me lembro disso, sinto dentro de mim uma revolta - má e dolorida - de não ter enfrentado decidida, resoluta, malcriada e cínica, aqueles adultos negligentes e partilhado das cocadas bolorentas com o cachorro.

Doce de Teresa, Flávia Savary

Doce de Teresa
                       Flavia Savary
Teresa, não. As outras não sei, mas ela, com certeza, não. Nunca reclama. Parece um doce que não desanda. Sentada na varanda da sua casinha modesta, mas limpinha, casinha branca de janelas azuis, tão de brinquedo que parece uma pintura. Florzinhas plantadas em latas de óleo vazias, um gato malhado que dorme no primeiro degrau. Borboletas voando que estalam as asas, feito quem diz: “Ai, que bom viver! Ai, que delícia”. Ali não é um lugar, é uma lembrança de infância.
Será por isso que os filhos nunca aparecem? Nem para as festas? As comadres falam “que absurdo!” e outras exclamações cheias de vogais. Teresa, não. Nunca reclama. Ao invés, faz mais doces, mais e mais. E tão difícil que é, veja só: num fogão de lenha! Tem que catar graveto, que ela não tem dinheiro para encomendar lenha já cortada, como a vizinha Salete, aposentada do Correio. Que quê tem? Graveto dá no chão, graveto dá de graça. É só pegar.
Teresa pega as coisas do ar. Com seus olhinhos de jabuticaba, só faz sonhar. Por isso que a vida não dói. Fazendo beiradas de paninhos de copa, vai cabeceando, cabeceando até cochilar. Entra no sonho, toma um sorvete com o primeiro namorado, brinca de roda com as amigas de longas tranças, banho de rio, rouba goiaba e faz doce de tacho... Acorda com o cheiro do doce de verdade. Quase passou da hora de tirar do fogo!
Teresa gostava muito de filme de bangue-bangue. Perdia tempo escrevendo cartas compridas para uma sua prima do interior mais interior que o dela. E tendo já uma queda para o doce, ia matando menos índios, dando menos tiros, amansando os gritos, aumentando os romances e suspiros, terminando por fazer do tal filme, um melado. Mas agradava. A prima sempre respondia agradecida, dizendo que não perderia de jeito nenhum o tal filme quando passasse em sua cidade. Que nunca ia ser: no interior do interior ninguém nem sabia o que era filme, que dirá cinema.
Isso quando era menina-moça. Depois, o marido largou dela e teve de pelejar para criar os sete filhos. Só. Com doce. O que ficava de menino com o nariz espetado na janela, que nem pardal querendo roubar pão da mesa de gente, nem te conto. Um mundo! Esqueceu dos filmes. E o doce? Levado em potes para as casas com mais abastança. Nem por isso acabava de brotar do seu coração, mais doce, mais e mais. Quem não tem vocação para amarga, venha a onda que for — não arrasta. Nem salga.
Nesse meio tempo, teve de botar as cartas, as letras, os filmes, histórias de lado. Para depois. Mas depois sempre vem. Os sete filhos criados foram cada um para um lado. Nenhum puxou o jeito doce, todos traziam o selo do pai: sério, preocupado com essa coisa de fazer dinheiro. Os filhos, iguais, foram buscar o ouro no pote do final do arco-íris. Teresa queria era o pote. E o arco-íris. O ouro, se tivesse, botava de enfeite num bolo.
Um dia, procurando cortes de fazenda para fazer um vestido novo de Natal, deu com as cartas da prima. Que saudade de escrever! A prima, já morta, escrever para quem? Os filhos trabalhavam tanto, os netos e bisnetos nunca iriam responder...
— Pra mim, ué. Então, eu não sou alguém?
A mão, treinada de doce, buscava um gosto de começar. Com canela ou sem? Pitada de baunilha, sim ou não? E foi soltando a imaginação, brotando o caldo em calda. Uma vida toda para contar, bem temperada. Doce que nem ela. Feito compotas guardadas em porões secretos, coisas simplezinhas que, envelhecidas, se tornam finas iguarias que adoçam a mesa dos reis. Escreveu, escreveu, escreveu. Depois amarrou o monte de cadernos de espiral com uma tira de chita florida. E deixou para lá.
Até que um dia... (sempre tem um dia que as coisas mudam, sei lá por quê). Um dia, os filhos disseram que vinham para o Natal. Com a família completa. Vai ver assistiram a um desses filmes xaroposos na televisão, em que morre a mãe velhinha, sofrendo da horrível dor da solidão e do abandono. É verdade que é triste isso de passar borracha em gente, mas Teresa... Teresa, não. Nunca reclama. Achou boa a idéia. E foi fazer doce.
Trabalhou que foi uma enormidade. Mas quando se tem noventa e seis anos já não se é mais uma menina. Vá convencer Teresa disso! Arrumou a casa, preparou tudo, os meninos chegavam daí a pouco. Terminou, guardou o avental e foi se sentar na varanda, na hora da Ave-Maria. Que pôr-de-sol bonito! Parecia um caldo de goiabada esparramado num chão de azulejo azul. Foi cabeceando, cabeceando até cochilar.
Nem o barulho das gentes chegando acordou Teresa. Nem os beijos dos bebês, cheios de lágrimas do medo de ver um rosto tão marcado de rugas. Nem os presentes de todo tamanho. Nem chamando pelo nome, que fazia tempo ela não ouvia de boca outra que não a própria. Nem balançando de leve a cadeirinha. Nem sacudindo, sacudindo. Teresa entrou no sonho e era um sonho tão doce, doce, mais e mais. Não deu vontade de sair. Parecia um sonho de verdade, não como aqueles de padaria. Dos feitos em casa.
Depois do enterro, a família voltou para casa com pressa de ir embora. Não cabiam mais ali. Distribuíram os muitos doces entre si, arrumando as coisas igual quem quer fugir. Quase iam deixando o principal para trás. Porém, um menino se soltou do colo da mãe e, andando por aí, deu com uma ponta de chita florida embaixo da cama. Foram abrindo os cadernos, um por um, lendo devagar, sentando no chão para apreciar. Aquilo é que era doce!
Não sei... É por essas e outras que eu acho que a vida devia começar pela sobremesa. O salgado vinha depois. Porque, às vezes, quando o doce chega, não tem mais espaço...

Ler e Escrever na Escola: o real , o possível e o necessário

Ler e escrever... redefinir o sentido dessa função é uma tarefa incontestável.
Ensinar a ler e escrever é um desafio que transcende amplamente a alfabetização em sentido estrito. O desafio da escola hoje é o de incorporar todos os alunos a cultura do escrito e o de conseguir que todos cheguem a ser leitores e escritores.
O necessário é fazer da escola uma comunidade de leitores que recorrem aos textos buscando resposta para todos os problemas que necessitam resolver, tratando de encontrar informação para compreender melhor algum aspecto do mundo. O necessário é fazer da escola uma comunidade de escritores que produzem seus próprios textos para mostrar suas idéias, para informar sobre fatos que os destinatários necessitam e devem conhecer, enfim, por tantos outros motivos reais e importantes. O necessário e fazer da escola um âmbito onde a leitura e a escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidade que é necessário assumir.
O necessário é, em suma, preservar o sentido do objeto de ensino para o sujeito da aprendizagem, o necessário é preservar na escola o sentido que a leitura e a escrita têm como práticas sociais.
O real é que levar à prática o necessário é uma tarefa difícil para a escola. É por isso que, antes de formular soluções – antes de desdobrar o possível-, é preciso analisar as dificuldades.
DIFICULDADES ENVOLVIDAS NA ESCOLARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS
Ao tentar instaurar as práticas de leitura e escrita na escola, apresentam-se –na realidade- muitas perguntas cujas respostas não são evidentes: o que se aprende quando se ouve o professor lendo? Em que momento as crianças se apropriam da “linguagem dos contos”? Como ter acesso às antecipações e inferências que as crianças presumivelmente fazem ao tentar ler um texto por si mesmas? Quando se pode dizer que um aluno aprendeu a recomendar livros ou a confrontar diversas interpretações?... portanto não é simples determinar com exatidão o que, como e quando os sujeitos aprendem essas práticas.
Por outro lado, trata-se de práticas sociais que historicamente foram, e de certo modo continuam sendo, patrimônio de certos grupos mais que de outros. Tentar que práticas “aristocráticas” como a leitura e a escrita sejam instauradas na escola supõe, então, enfrentar – e encontrar caminhos a resolver-: a tensão existente na escola entre a tendência à mudança e a tendência à conservação, entre a função explícita de democratizar o conhecimento e a função implícita de reproduzir a ordem social estabelecida.
TENSÕES ENTRE OS PROPÓSITOS ESCOLARES E EXTRA-ESCOLARES DA LEITURA E DA ESCRITA
Na escola estão em primeiro plano os propósitos didáticos da leitura e da escrita, que são mediatos do ponto de vista dos alunos, porque estão vinculados aos conhecimentos que eles necessitam aprender para utilizá-los em sua vida futura, os propósitos comunicativos-como escrever para manter contato, ler para conhecer outro mundo possível- costumam ser relegados ou, inclusive, excluídos de seu âmbito. Essa divergência pode levar ao paradoxo: se a escola ensina ler e escrever com o único propósito de que os alunos aprendam a fazê-lo, eles não aprenderão a função social da leitura e da escrita, se a escola abandona os propósitos didáticos e assume os da prática social, estará abandonando ao mesmo tempo a sua função ensinante.
RELAÇÃO SABER-DURAÇÃO VERSUS PRESERVAÇÃO DO SENTIDO
O ensino se estrutura assim, conforme um eixo temporal único, segundo uma progressão linear, cumulativa e irreversível. Distribuir os conteúdos em parcelas de saber e de tempo graduando as dificuldades: no primeiro ano de escolaridade, apenas o “código”, certas sílabas, depois apenas textos simples...
Tal organização entra em contradição não apenas com o tempo da aprendizagem como também com a natureza das práticas de leitura e escrita. Isso também pode levar ao paradoxo: se se tentar parcelar as práticas, é impossível preservar a sua natureza e o seu sentido para o aprendiz, se não as parcelamos ,é difícil encontrar uma distribuição dos conteúdos que permita ensiná-las.
TENSÃO ENTRE AS DUAS NECESSIDADES INSTITUCIONAIS: ENSINAR E CONTROLAR A APRENDIZAGEM
Apresenta-se um conflito de interesses entre o ensino e o controle da aprendizagem: se se põe o ensino em primeiro plano, é preciso renunciar a controlar tudo; se se põe o controle da aprendizagem em primeiro plano, é preciso renunciar a ensinar aspectos essenciais das práticas de leitura e escrita.
Frente a isso tudo o que fazer para preservar na escola o sentido que a leitura e a escrita têm fora dela? Como evitar que se desvirtuem ao serem ensinadas e aprendidas?
O possível é fazer o esforço de conciliar as necessidades inerentes à instituição escolar com o propósito educativo de formar leitores e escritores, o possível é gerar condições didáticas que permitam por em cena uma visão escolar da leitura e da escrita mais próxima da versão social (não escolar) dessas práticas .Em primeiro lugar, para possibilitar a escolarização dessas práticas sociais de leitura e escrita, para que os professores possam programar o ensino, um passo importante deve ser dado em relação ao projeto curricular é o de explicitar, entre os aspectos implícitos nas práticas, aqueles que resultam hoje acessíveis graças aos estudos sociolingüísticos, psicolingüísticos, antropológicos e históricos. È o que tentamos fazer (Lerner,Lolito,Levy,1996), ao formular como conteúdos do ensino não só os saberes lingüísticos como também as tarefas do leitor e do escritor : fazer antecipações sobre o sentido do texto que se está lendo e tentar verificá-las recorrendo à informação visual, discutir diversas interpretações acerca de um mesmo material, comentar o que se leu e compará-lo com outras obras do mesmo e outro autor. Recomendar livros, compartilhar leituras com outros, atrever-se a ler textos difíceis, tomar notas, planejar o que vai escrever, modificar o plano enquanto escreve, revisar,fazer modificações...
Em segundo lugar, é possível articular os propósitos didáticos - cujo cumprimento é em geral imediato - com propósitos comunicativos que tenham um sentido “atual” para o aluno e que tenham correspondência com os que habitualmente orientam a leitura e a escrita fora da escola. Essa articulação pode concretizar-se através de uma modalidade organizativa bem conhecida: os projetos de produção-interpretação. O trabalho por projetos permite, realmente, que todos os integrantes da classe- e não só o professor - orientem suas ações para uma finalidade compartilhada: gravar uma fita de poemas para outras crianças, por exemplo, dá sentido ao aperfeiçoamento da leitura em voz alta, preparar uma carta para protestar sobre algum fato, permitirá aprender a “escrever para protestar”, quando se está envolvido numa situação autêntica.
Por outro lado , a organização por projetos permite resolver outras dificuldades : favorece o desenvolvimento de estratégias de autocontrole da leitura e da escrita por parte dos alunos e abre as portas da classe para uma nova relação entre o tempo e o saber. Realmente, ao orientar suas ações para uma finalidade compartilhada, os alunos se comprometem na elaboração de um produto. É assim que o compromisso que assumem torna possível que progridam na aquisição de estratégias necessárias para revisar e aperfeiçoar seus próprios trabalhos. Essa modalidade organizativa (projetos) que prevê um tempo maior de duração,além de favorecer a autonomia dos alunos, que podem tomar iniciativas porque sabem para onde marcha o trabalho,se contrapõe ao parcelamento do tempo e do saber. È assim que se torna possível evitar a justaposição de atividades sem conexão,que também abordam aspectos também sem conexão dos conteúdos, as crianças tem um tempo maior para resolver problemas desafiantes, construindo conhecimentos necessários,para estabelecer relações entre diferentes situações e saberes, para consolidar o aprendido e reutilizá-lo...
Agora,trabalhar com projetos não é suficiente para instaurar uma relação tempo-saber que leve em conta o tempo da aprendizagem e preserve o sentido do objeto de ensino. Para consegui-lo, é necessário articular muitas temporalidades diferentes: atividades que se desenvolvam com certa periodicidade durante um quadrimestre ou um ano – ler notícias, contos ou curiosidades tal dia da semana, por exemplo- contribuem para familiarizar com certos gêneros e para consolidar os hábitos de leitura, situações pontuais, como escrever uma mensagem por correio eletrônico para um aluno de outra escola,podem contribuir para consolidar certas práticas de comunicação por escrito . O entrecruzamento dessas diferentes temporalidades permite aos alunos realizar simultaneamente diferentes aproximações às práticas- participar num mesmo período em atos de leitura e de escrita dirigidos a diversos propósitos e assim voltar mais de uma vez ao logo do tempo a por em ação um certo aspecto da leitura ou da escrita - escrever, reescrever, reler,resumir...
Finalmente, é possível criar um novo equilíbrio ente o ensino e o controle, quando se reconhece que este (controle) é necessário, mas tentando evitar que prevaleça sobre aquele (ensino).Quando se apresenta um conflito entre ambos, quando é preciso escolher entre o que é necessário para que as crianças aprendam e o que é necessário para controlar a aprendizagem, parece indispensável optar pela aprendizagem. Trata-se de abrir espaços para que os alunos alem de ler certos tipos de textos, leiam muitos outros, mesmo que não seja possível para o professor avaliar a compreensão de tudo o que leram.
È imprescindível, por último, compartilhar a função avaliadora. É preciso delegar (provisoriamente) às crianças a responsabilidade de revisar seus escritos, permitindo que se defrontem com problemas de escrita que não poderiam descobrir, se o papel de corretor fosse assumido sempre pelo professor.ao diminuir a pressão do controle, torna-se possível avaliar aprendizagens que antes não ocorriam: como o professor não comunica de imediato sua opinão, os alunos expressam suas interpretações, confrontam-nas, detectam erros, buscam informações para corrigi-los... e todas essas ações proporcionam novos indicadores dos progressos que as crianças realizam como leitores e escritores.
É assim que as dificuldades vão sendo resolvidas. Analisar o real é muito duro, mas é imprescindível quando se assumiu a decisão de fazer tudo que é possível para alcançar o necessário: formar todos os alunos como praticantes da cultura escrita.
PARA TRANSFORMAR O ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA: QUAL É O DESAFIO?
             O desafio é formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que possam “decifrar” o sistema de escrita. É formar seres humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explícita ou implicitamente, pelos autores dos textos com os quais interagem,em vez de formar indivíduos dependentes da letra do texto e da autoridade de outros. O desafio é formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a literatura oferece. Assumir este desafio significa abandonar as atividades mecânicas desprovidas de sentido, que levam as crianças a distanciar-se da leitura por considerá-la uma mera obrigação escolar, significa também incorporar situações em que ler determinados materiais seja imprescindível para o desenvolvimento dos projetos que estejam sendo desenvolvidos.
          O desafio é conseguir que os alunos cheguem a ser produtores de língua escrita, conscientes da pertinência e da importância de emitir certo tipo de mensagem em determinado tipo de situação social, em vez de se treinar unicamente como “copistas” que reproduzem –sem um propósito próprio- o escrito por outros , ou como receptores de ditados cuja finalidade- também estranha- se reduz à avaliação por parte do professor.
O desafio é conseguir que a escrita deixe de ser na escola somente um objeto de avaliação, para se constituir realmente num objeto de ensino, é tornar possível que todos os alunos se apropriem da escrita e a ponham em prática, sabendo- por experiência, não por transmissão verbal- que é um longo e complexo processo constituído por operações recorrentes de planejamento, contextualização e revisão.
O desafio é promover a descoberta e a utilização da escrita como instrumento de reflexão sobre o próprio pensamento, como recurso insubstituível para organizar e reorganizar o próprio conhecimento, em vez de manter os alunos na crença de que a escrita é somente um meio para reproduzir passivamente, ou para resumir- mas sem interpretar- o pensamento de outros.
O desafio é, em suma, combater a discriminação que a escola opera atualmente, não só quando cria o fracasso explícito daqueles que não consegue alfabetizar, como também quando impede aos outros- os que aparentemente não fracassam – chegar a ser leitores e produtores de textos competentes e autônomos. O desafio que devemos enfrentar, nós que estamos comprometidos com a instituição escolar, é combater a discriminação desde o interior da escola; é unir nossos esforços para alfabetizar todos os alunos, para assegurar que todos tenham oportunidades de se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essenciais de progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal.
        É POSSÍVEL A MUDANÇA NA ESCOLA ?
         Os desafios apresentamos implicam uma mudança profunda. Levá-la à prática não será fácil para a escola. As reformas educativas- pelo menos as realmente merecem tal nome -costumam tropeçar em fortes resistências. A instituição escolar sofre uma verdadeira tensão entre dois pólos contraditórios:a rotina repetitiva e a moda. A revisão cuidadosa da obra de, entre outros, Dewey, Kilpratick, Decroly e Freinet surtiu um duplo e contraditório efeito : por um lado, permitiu termos clara consciência do difícil que é introduzir uma mudança na escola, ao constatar que certas idéias educativa fundamentais estão sendo apresentadas há mais de um século e que, no entanto, só deram lugar a experiência restritas, mas não conseguiram incidir em nada no sistema escolar global ; por outro lado, foi possível constatar que, no nível da idéias didáticas, estavam ocorrendo importantes progressos, já que as contribuições recentes permitiam, em alguns casos, completar e, em outros, abandonar de forma contundente as proposições anteriores.
A inovação tem sentido quando faz parte da história do conhecimento pedagógico e quando,
 ao mesmo tempo retoma e supera o anteriormente produzido.
       È importante distinguir as propostas de mudança que são produto da busca de soluções para os graves problemas educativos que enfrentamos daqueles que pertencem ao domínio da moda. As primeiras têm em geral, muita dificuldade para se expandir no sistema educativo, porque afetam o núcleo da prática didática vigente; as segundas- embora sejam passageiras- se irradiam facilmente, porque se referem a aspectos superficiais e muito parciais da ação docente. E , se essas mudanças profundas se referem- como em nosso caso- ao ensino da leitura e da escrita,a resistência do sistema escolar, agiganta-se : não só estamos questionando o núcleo da prática didática, como revisamos também a forma como a escola concebeu tradicionalmente sua missão alfabetizadora, essa missão que está nas raízes de sua função social.
           A CAPACITAÇÃO: CONDIÇÃO NECESSÁRIA, MAS NÃO SUFICIENTE PARA A MUDANÇA NA PROPOSTA DIDÁTICA
            Se a atualização sempre é necessária para todo profissional, é mais ainda no caso dos professores latino-americanos de hoje. Reconhecer que a capacitação não é condição suficiente para a mudança na proposta didática porque esta não depende só das vontades individuais dos professores- por melhor capacitados que eles estejam, significa aceitar que, além de continuar com os esforços de capacitação, será necessário estudar os mecanismos ou fenômenos que ocorrem na escola e impedem que todas as crianças se apropriem dessas práticas sociais que são a leitura e a escrita, sem correrem o risco de caírem posteriormente no analfabetismo funcional.
          ACERCA DA TRANSPPOSIÇÃO DIDÁTICA: A LEITURA E A ESCRITA COMO OBJETOS DE ENSINO
             O primeiro aspecto que deve ser analisado é o abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita: a língua escrita, criada para representar e comunicar significados, aparece em geral na escola fragmentada em pedacinhos não-significativos ; a leitura em voz alta ocupa um lugar muito maior no âmbito escolar que a leitura silenciosa, enquanto que em outras situações sociais ocorre o contrário ; na sala de aula, espera-se que as crianças produzam textos num tempo muito breve e escrevam diretamente a versão final, enquanto que fora dela produzir um texto é um longo processo que requer muitos rascunhos e revisões...Escrever é uma tarefa difícil para os adultos- mesmo para aqueles que o fazem habitualmente, no entanto, espera-se que as crianças escrevam de forma rápida e fluente...Ler é uma atividade orientada por propósitos- de buscar uma informação necessária para resolver um problema prático , por prazer, para se divertir, -quem costumam se relegados do âmbito escolar, onde se lê somente para aprender a ler e se escreve somente para aprender a escrever...
 A versão escolar da leitura e da escrita parece atentar contra o senso comum. Por que e para que ensinar algo tão diferente do que as crianças terão que usar depois, fora da escola?
Através da obra de Chevallard (1985) pudemos conhecer o fenômeno de transposição didática- que permitiu tomarmos consciência de que a distância entre o objeto do conhecimento que existe fora da escola e o objeto realmente ensinado na escola está muito longe de ser privativa da leitura e da escrita, é um fenômeno que afeta todos aqueles saberes que ingressam na escola para ser ensinados e aprendidos.
O saber- mostrou Chevallard- adquire sentidos diferentes em diferentes instituições, funciona de um modo na instituição que o produz e de outro na instituição encarregada de comunicá-lo.  Na escola, se aprender ler e escrever de um modo e de outro na família. A escola tem que comunicar o conhecimento elaborado pela sociedade e para isso transforma esse conhecimento em “objeto de ensino”. A partir daí o saber se modifica. Há que se determinar uma forma de organizar os conteúdos. a necessidade de comunicar o conhecimento leva a modificá-lo. Na escola o tratamento dos conteúdos é marcada de maneira decisiva pela pressão do tempo. O conhecimento vai se distribuindo através do tempo e adquirindo características diferentes do original. A graduação do conhecimento leva ao parcelamento do objeto.
No interesse da graduação, tempo e conhecimento se confundem.
As conseqüências da graduação no caso do ensino da língua escrita são bastante conhecidas: no começo, a leitura mecânica,e, só mais tarde, leitura compreensiva. Tanto a língua escrita como a prática da leitura e da escrita se tornam fragmentárias, são detalhadas de tal modo que perdem sua identidade.
Fragmentar assim os objetos a ensinar permite alimentar duas ilusões arraigadas na tradição escolar: contornar a complexidade dos objetos de conhecimento reduzindo-os a seus elementos mais simples e exercer um controle estrito sobre a aprendizagem . Lamentavelmente, a simplificação faz desaparecer o objeto que se pretende ensinar, e o controle da reprodução das partes nada diz sobre a compreensão que as crianças têm da língua escrita nem sobre as suas possibilidades como intérpretes e produtores de texto.
A transposição didática é inevitável, mas deve ser rigorosamente controlada, porque a transformação do objeto- da língua escrita e das atividades de leitura e escrita, em nosso caso,- teria que se restringir àquelas modificações que, realmente são inevitáveis. A versão escolar da leitura e da escrita não deve afastar-se demasiado da versão social não-escolar.
O controle da transposição didática não pode ser uma responsabilidade exclusiva de cada professor. É responsabilidade dos governos tornar possível a participação da comunidade científica nessa tarefa a fim de se pronunciar sobre a pertinência dos “recortes” que se fazem ao selecionar conteúdos,currículos, objetivos, avaliação,conteúdos, atividades...é de responsabilidade de cada professor prever atividades e intervenções que favoreçam a presença na sala de aula do objeto de conhecimento tal como foi socialmente produzido, assim como refletir sobre a sua prática e efetuar as retificações que sejam necessárias e possíveis.
ACERCA DO “CONTRATO DIDÁTICO”
Ao analisar as interações entre professore e alunos acerca dos conteúdos, pode-se postular que tudo acontece como se essas interações respondessem ao um “contrato implícito”, como se as atribuições que o professor e os alunos têm com relação ao saber estivessem distribuídas de uma maneira determinada, como se cada um dos participantes na relação didática tivesse certas responsabilidades e não outras quanto aos conteúdos trabalhados, como se tivesse sido tecido e enraizado na instituição escolar um interjogo de expectativas recíprocas...
Esse “contrato” implícito preexiste aos contratantes e, naturalmente, às pessoas concretas que estão na instituição, é muito eficaz, apesar de não ter sido explicitado, e somente se põe em evidência quando é transgredido (conceito de contrato didático –G.Brousseau (1986)).
Um aspecto essencial que Brousseau aponta ao definir a noção de contrato didático, é que este compromete não só o professor e o aluno mas também o saber, como já vimos , sofre modificações ao ser comunicado.(transposição didática)
Que efeitos produzirá essa distribuição de direitos e obrigações na formação das crianças como leitores? Se existe uma autoridade a validar e a estabelecer, como as crianças a se tornarão leitores independentes? Como poderão autocontrolar suas próprias interpretações? Como poderão descobrir que a discussão com os outros permite chegar a uma maior objetividade na compreensão do que se lê? Como se tornará um leitor reflexivo e crítico se na escola isso não é permitido na escola? Como ele será capaz de selecionar seus próprios textos, seu próprio material de leitura? Se o aluno tem por obrigação de escrever diretamente a versão final dos poucos textos que elabora, sem o direito de apagar, fazer rascunhos, riscar, revisar, porque a função de corrigir é desempenhada exclusivamente pelo professor, quando ele será um praticante autônomo e competente da escrita?
Se, de verdade, se pretende conseguir a realização desses propósitos, é preciso revisar essa distribuição, é preciso mostrar, não só para os professores, mas para toda a comunidade os efeitos que produz nas possibilidades de formar leitores e escritores, é preciso criar na escola espaços de discussão para elaborar possíveis vias de transformação, é preciso analisar a drástica barreira que separa as atribuições do professor das do aluno para se aproximar dos direitos mais compartilhados, é preciso ir elaborando o “contrato” que responda melhor à necessidade de formar leitores e escritores competentes.
É responsabilidade dos formadores de professores criar  situações que permitam a estudantes e professores compreenderem a contradição aqui apresentada e assumirem uma posição superadora. É responsabilidade de todas as instituições e pessoas que tenham acesso aos meios de comunicação informar a comunidade, e em particular os pais, sobre os direitos que os alunos possuem na escola para poderem formar-se como praticantes autônomos da língua escrita.
FERRAMENTAS PARA TRANSFORMAR O ENSINO
Devem ser levadas em conta entre outras as seguintes questões como: introduzir modificações no currículo, na organização institucional,criar consciência em relação à opinião pública, desenvolver a pesquisa no campo da didática da leitura e da escrita, além de traçar novamente as bases de formação dos professores e promover a hierarquização social de sua função.
APONTAMENTOS A PARTIR DA PERSPECTIVA CURRICULAR
               Pode-se afirmar que o grande propósito educativo do ensino da leitura e da escrita no curso da educação obrigatória é o de incorporar as crianças à comunidade de leitores e escritores: é formar os alunos como cidadãos da cultura escrita. “Se este é o propósito, então fica claro que o objeto de ensino deve definir-se tomando como referência fundamental as práticas sociais de leitura e escrita.” (D. Lerner, 2002.). É importante esclarecer que a caracterização do objeto de ensino não é um tema abstrato, de mero valor teórico, distante da vida da escola. As palavras de Lerner possibilitam olhar retrospectivamente a fim de refletir sobre quais as conseqüências da mudança de concepção do objeto de ensino nas práticas docentes. Durante muitos anos considerou-se que o objeto de ensino no começo da escolaridade eram “as primeiras letras”. A idéia subjacente era que o texto era uma soma de palavras que, por sua vez, era uma soma de letras, de modo que bastava ensinar as letras e como “juntá-las” para formar palavras, depois orações e, finalmente, textos. Nos graus mais avançados, os conteúdos das aulas de Língua estavam constituídos, basicamente, por questões gramaticais e ortográficas. Neste sentido, a idéia era que, conhecendo gramática e ortografia, a criança estaria capacitada para escrever e ler adequadamente. A correta reflexão didática de Lerner concebe as práticas sociais de leitura e escrita como o verdadeiro objeto de ensino, constitui uma contribuição inestimável para abandonar esse cenário. Entretanto, o aprendizado das práticas sociais de leitura implica um processo prolongado de construção de saberes e estratégias por parte dos alunos. Se partirmos dessa definição de leitura, nossa prática docente tenderá a propor situações em que as crianças desenvolvam essas estratégias para ir apropriando-se das características do sistema de escrita e da linguagem escrita por meio de práticas de leitura de diferentes textos de circulação social. Se, ao contrário, concebemos a leitura como a capacidade de reconhecer as letras, identificar os fonemas correspondentes e estabelecer a relação entre ambos para chegar ao significado, proporemos atividades que garantam esses conhecimentos e associações. Quanto ao sujeito do conhecimento, concebemos o sujeito que aprende como alguém que interage com o meio permanentemente, conhece o mundo que o rodeia a partir de sua atividade sobre ele, e cujo crescimento intelectual não se deve a um processo de soma de informações, mas a grandes períodos de reorganização das informações - às vezes a mesma informação anterior muda de natureza ao entrar em um novo sistema de relações que a criança vai construindo. O docente deve estar alerta e controlar estritamente os pressupostos em que se baseiam as propostas didáticas que oferece a seus alunos - não perdendo de vista, em cada caso, o objeto de conhecimento e o sujeito que aprende - para elaborar estratégias que favoreçam sua interação.
É POSSÍVEL LER NA ESCOLA?
Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do texto e assumir uma postura crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...
É possível ler na escola? Esta pergunta pode parecer estranha: por que por em dúvida a viabilidade da leitura numa instituição cuja missão fundamental foi, e continua sendo, precisamente a de ensinar a ler e escrever? 
(OU – NAO. NÃO É POSSÍVEL LER NA ESCOLA)
Por que a leitura-tão útil na vida real, para cumprir diversos propósitos- aparece na escola como uma atividade gratuita, cujo único objetivo é aprender a ler? Por que se usam textos específicos para ensinar, diferentes dos que se lêem fora da escola? Como explicar essas discrepâncias? Originam-se em autênticas necessidades didáticas?  É necessário transformar- deformar- desse modo a leitura para conseguir que as crianças aprendam a ler?
A leitura aparece desgarrada dos propósitos que lhe dão sentido no uso social, porque a construção do sentido não é considerada como uma condição necessária para a aprendizagem. A teoria oficial na escola considera-diria Piaget- que o funcionamento cognitivo das crianças é totalmente diferente do dos adultos: enquanto estes aprendem apenas o que lhes é significativo, as crianças poderiam aprender tudo aquilo que ensinassem a ela, independente que possam ou não lhe atribuir sentido.
O uso de textos especialmente projetados para o ensino da leitura é apenas uma das manifestações de um postulado básico da concepção vigente na escola: o processo de aprendizagem evolui do “simples” para o “complexo”, portanto, para ensinar saberes complexos é necessário decompô-lo em seus elementos constituintes e distribuir a apresentação desses elementos ao logo do tempo, começando naturalmente pelo mais simples. Por outro lado, essa fragmentação do conteúdo para distribuí-lo no tempo, favorece o controle: controlar a aprendizagem de cada parcela é mais fácil de que controlar toda a complexidade da língua escrita ou da leitura no todo. É assim que a linguagem escrita e o ato de leitura desaparecem -sacrificados em função da graduação e do controle, e com eles desaparecem os textos que se usam fora da escola.
Em síntese, uma teoria da aprendizagem que não se ocupa do sentido que a leitura possa ter para as crianças e concebe a aquisição do conhecimento como um processo cumulativo e graduado, fragmento e distribuído ao longo do tempo e controlado a cada parcela, são os fatores que se articulam para tornar impossível a leitura na escola.
(OU – SIM. É POSSÍVEL LER NA ESCOLA)
Enfrentamos um grande desafio: construir uma nova versão fictícia da leitura, uma versão que se ajuste muito mais à prática social que tentamos comunicar e permita a nossos alunos se apropriarem efetivamente dela. Articular a teoria construtivista da aprendizagem com as regras e exigências institucionais está longe de ser fácil: é preciso encontrar outra maneira de
Administrar o tempo, é preciso criar novos modos de controlar a aprendizagem, é preciso transformar a distribuição dos papéis do professor e do aluno em relação à leitura,é preciso conciliar os objetivos institucionais com os objetivos pessoais dos alunos...
O SENTIDO DA LEITURA NA ESCOLA - PROPÓSITOS DIDÁTICOS E PROPÓSITOS DO ALUNO
Na escola, a leitura é, antes de mais nada, um objeto de ensino. Para que também se transforme em objeto de aprendizagem, é necessário que tenha sentido do ponto de vista do aluno, o que significa – entre outra coisas – que deve cumprir uma função para a realização de um propósito que ele conhece e valoriza. Para que a leitura como objeto de ensino não se afaste demasiado da prática social que se quer comunicar, é imprescindível “representar” – ou “reapresentar”,na escola, os diversos usos que ela tem na vida social.
Em conseqüência, cada situação de leitura responderá a um duplo propósito. Um propósito didático, que é ensinar certos conteúdos constitutivos da prática social de leitura, com o objetivo de que o aluno possa reutilizá-los no futuro, em situações não-didáticas. E um propósito comunicativo relevante desde a perspectiva atual do aluno.
Os projetos devem ser dirigidos para a realização de algum (ou vários) dos propósitos sociais da leitura: ler para resolver um problema prático, ler para se informar, ler para produzir um texto, artigo, uma monografia, ler para buscar informações específicas,...projetos vinculados à leitura literária: poemas, contos,...
Cada uma desses propósitos põe em marcha uma modalidade diferente de leitura (Sole,1993) : quando o objetivo é obter informação geral sobre a atualidade nacional, o leitor opera de forma seletiva: lê as manchetes de todas as notícias e a introdução das mais importantes (para ele); quando o objetivo for o de resolver problemas práticos,o leitor tende a examinar escrupulosamente toda a informação fornecida pelo texto.
Diferentes modalidades de leitura podem ser utilizadas em distintas situações, frente a um mesmo tipo de texto .
Como se articulam os propósitos didáticos e os propósitos comunicativos, aos quais aponta o projeto proposto? Exemplos: 1-Projeto: produção de uma fita de poemas: A) propósito comunicativo: compartilhar com outras pessoas textos considerados comoventes ou interessantes. Propósitos didáticos são vários: fazer os alunos ingressarem no mundo poético, por exemplo. (B) grupos de educação infantil da escola.
Situações de Leitura
Os textos escolhidos cumprem pelo menos duas condições: nenhum deles proporciona, de maneira direta, a resposta à pergunta feita, são relativamente difíceis para os alunos.
A organização da tarefa leva em conta as condições anteriores: lêem-se vários textos, organiza-se a situação de leitura em duplas ou grupos de modo que as crianças possam colaborar entre si e fazer consultas ao professor. Ao ler os próximos textos já se estabelecem relações entre os textos lidos.
Como as crianças deverão responder por escrito à pergunta apresentada, anotações são feitas durante a leitura.
Situações de Escrita
O planejamento do texto a ser produzido se realiza a partir das anotações feitas durante a leitura. Discute-se a organização do texto. O processo de textualização se realiza, nesse caso, através de um ditado das crianças para o professor, já que a idéia é produzir um único texto. A produção coletiva permite ir discutindo as melhores maneiras de se elaborar uma versão mais adequada do texto e permite a intervenção mais forte do professor, que vai apontando para as crianças alguns problemas que elas ainda não consigam detectar por si mesmas.
A revisão final supões várias releituras do texto, focalizadas em diferentes aspectos: clareza, coesão, ortografia, pontuação.
GESTÃO DO TEMPO, APRESENTAÇÃO DOS CONTEÚDOS E ORGANIZAÇAO     DAS ATIVIDADES
O tempo é –todos nós, professores, sabemos muito bem- um fator de peso na escola: sempre é escasso em relação à quantidade de conteúdos fixados no programa, nunca é suficiente para comunicar às crianças tudo o que desejaríamos ensinar em cada ano escolar.
Não se trata somente de aumentar o tempo ou de reduzir os conteúdos, trata-se de produzir uma mudança qualitativa na utilização do tempo didático.
Para concretizar essa mudança, parece necessário- além de se atrever a romper com a correspondência linear entre parcelas de conhecimentos e parcelas de tempo- cumprir, pelo menos, com duas condições: manejar com flexibilidade a duração das situações didáticas e tornar possível a retomada dos próprios conteúdos em diferentes oportunidades e a partir de perspectivas diversas. Criar essas condições requer pôr em ação diferentes modalidades organizativas: PROJETOS, ATIVIDADES HABITUAIS, SEQÜÊNCIAS DE SITUAÇÕES E ATIVIDADES INDEPENDENTES coexistem e se articulam ao longo do ano escolar.
1- Os projetos permitem uma organização muito flexível do tempo: pode ocupar somente alguns dias, ou se desenvolver ao longo de vários meses.
2- As atividades habituais, que se reiteram de forma sistemática e previsível uma vez por semana, ou por quinzena, oferecem oportunidade de interagir intensamente com um gênero determinado.
3- As seqüências de atividades em uma duração limitada a algumas semanas de aula, o que permite realizar-se várias delas no curso do ano letivo e se ter, assim, acesso a diferentes gêneros. No curso de cada seqüência se incluem- como nos projetos- atividades coletivas, grupais e individuais.
4- As situações independentes podem classificar-se em dois subgrupos:
a) situações ocasionais: em algumas oportunidades, a professora encontra um texto que considera valioso compartilhar com as crianças, embora não esteja em correspondência com as atividades que estão realizando no momento.
b) situações de sistematização: estas situações são “independentes” somente no sentido de que não contribuem para cumprir os propósitos apresentados em relação com a ação imediata, mas permitem sistematizar os conhecimentos linguísticos construídos através de outras modalidades organizativas.
É assim que a articulação de diferentes modalidades organizativas permite desenvolver situações didáticas que têm durações diferentes, que podem se apresentadas ou realizadas em períodos limitados, algumas das quais se sucedem no tempo, enquanto outras se entrecruzam numa mesma etapa do ano letivo.
ACERCA DO CONTROLE: AVALIAR A LEITURA E ENSINAR A LER
A avaliação é uma necessidade legítima da instituição escolar, é um instrumento que permite determinar em que medida o ensino alcançou seu objetivo, em que medida foi possível fazer chegar aos alunos a mensagem que o docente se propôs comunicar. A avaliação da aprendizagem é imprescindível, porque proporciona a informação sobre o funcionamento das situações didáticas e permite então reorientar o ensino, fazer os ajustes necessários para avançar até o cumprimento dos propósitos propostos.
No entanto, a prioridade da avaliação deve terminar onde começa a prioridade do ensino. Quando a necessidade de avaliar predomina sobre os objetivos didáticos, (no ensino usual da leitura) produz-se uma redução no objeto de ensino, porque sua apresentação se limita àqueles aspectos que são mais suscetíveis de controle.
Saber que o conhecimento é provisório, que os erros não se “fixam” e que se aprende é objeto de sucessivas reorganizações permite aceitar com maior serenidade a impossibilidade de controlar tudo. Por outro lado, orientar ações para a formação de leitores autônomos torna necessário redefinir a forma como estão distribuídos na sala de aula os direitos e deveres relativos à avaliação. O professor continua tendo a última palavra, mas é importante que seja a última e não a primeira, que o juízo de validade do decente seja emitido, depois que os alunos tenham tido a oportunidade de validar por si mesmos suas interpretações produzidas na classe. Esse processo de validação- de co-correção e auto-correção exercida pelos alunos- faz parte do ensino, já que é essencial para o desenvolvimento de um comportamento leitor autônomo.
O PROFESSOR: UM ATOR NO PAPEL DE LEITOR
A leitura do professor é de particular importância na primeira etapa da escolaridade, quando as crianças ainda não lêem eficazmente por si mesmas. Durante esse período, o professor cria muitas e variadas situações nas quais lê diferentes tipos de textos. Quando se trata de uma história, por exemplo, cria um clima propício para desfrutar dela.
Enfim, tanto ao mostrar como se faz para ler quando o professore se coloca no papel de leitor, como ao ajudar sugerindo estratégias eficazes quando a leitura é compartilhada, como ao delegar a leitura, individual ou coletiva, às crianças, o professor está ensinando a ler.
O PAPEL CO CONHECIMENTO DIDÁTICO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Para que o processo de capacitação de professores seja fecundo, duas condições parecem ser necessárias: por um lado, que o capacitador se esforce por entender os problemas que os professores  a apresentam, por compreender por que pensam o que pensam, ou por que decidem adotar uma proposta e rejeitar outra; por outro lado, que os professores se sintam autorizados a atuar de forma autônoma, que tenham razões próprias para tomar e assumir suas decisões. Assinalemos, finalmente, que a capacitação poderá ser muito mais efetiva quanto melhor conheçamos os fatos didáticos, quanto mais preciso seja o nosso saber acerca do ensino e da aprendizagem escolar da leitura ou da escrita, quanto mais avancemos na análise dos processos de comunicação do conhecimento didático aos professores. Avançar na pesquisa didática sobre o trabalho em classe e sobre a capacitação permitirá ajudar mais os professores em sua difícil tarefa.